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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

sol e sal

eu guardei o primeiro olhar afetado que ganhei de você. foi numa sexta, num dia quente, como são a maioria dos outros dias nas cidades que ficam perto da linha do Equador. mas não foi o sol que derreteu as travas de açúcar do meu coração. foi você. seu olhar afetado. e teu sorriso pretensioso.

você me pôs em banho-maria, derretendo cada célula do meu corpo até que ele todo fosse melaço, e eu fosse líquido e nada mais nas suas mãos. você moldou suas esculturas comigo. esperou que eu me solidificasse outra vez, só pra me ver derreter na tua boca depois. eu não quebrei suas expectativas: eu derreti.

um dia você me disse que se eu olhasse pro céu enquanto o sol estivesse à pino e logo depois olhasse pra coisa que eu mais gosto no mundo, eu conseguiria vê-la com nitidez, apesar da luminosidade ter prejudicado temporariamente minha visão. eu demorei a acreditar em você. até que um dia, num desses momentos que o trânsito emperra e o carro para, eu testei. encarei o sol pela janela do carro e depois mirei você. todas as suas linhas, espinhas e dentes estavam lá, nítidos, em viva cor. na minha frente, só havia você.

foi ali que eu entendi que eu poderia encarar o sol outras mil vezes se logo após pudesse olhar você. assim como posso te encarar com chuva, neve ou só geada. posso te encarar no escuro, a meia luz e com a luz acesa.

morar perto da linha da Equador não me preparou pro que é conviver com teu olhar afetado. esse sim me desfaz, viro mar e sal, e só por ti.

domingo, 12 de junho de 2016

A gente não deu match

[Você pode ler esse texto ao som de I found]

         Eu já disse que ia embora algumas tantas vezes que você já nem acredita mais. Eu já disse que me acostumaria ao teu jeito torto de gostar de mim, mas eu sei que não posso acreditar nisso. Eu sei que, toda vez que você se for momentaneamente pra voltar depois quando quiser, provavelmente com alguma dose de álcool no sangue, eu vou perder uns porcentos da minha fé em mim mesma. Eu vou pensar que eu sou burra por aceitar que você me dê só 1% de quem tu és, porque, porra, tem medo demais de se dar inteiro pra alguém. Você precisa parar de fugir de mim antes que eu pare de te dar motivos pra ficar.
          Você me liga depois de beber com seus amigos, liga pra dizer que sentiu minha falta, e que de um jeito certo, errado, sem jeito, de algum jeito, você está ali por perto pra mim. E que eu posso ficar longe por um tempo, mas que você continua me querendo bem. Você me liga e eu choro. Choro porque o dia foi ruim e você não pega leve comigo. Choro porque fazia tempo que ninguém tocava em mim da mesma forma que você tocou, e eu há tempos eu não queria tanto que alguém continuasse com a mão ali, segurando meu coração. Mas você apertou demais, sufocou, e eu tive que ir embora antes que você deixasse mais hematomas em mim.
          Você foge de mim, você passou uma hora de ligação fugindo de mim. Pedindo-me tempo, tempo pra entender, tempo pra se cuidar, tempo pra se consertar. Você foge de mim, mas dessa vez eu não vou poder te pedir pra ficar. Você foge de mim, porque não sabe gostar de alguém sem explodir feito a bomba que você é. Porque receber amor engatilha a arma apontada pra tua própria cabeça. Você foge mim porque eu cometi o erro de me infiltrar por entre as brechas do teu coração e eu habito mais aí do que tu querias. Você foge de mim por algum motivo que eu desconheço. Por todos os motivos do mundo. Mas nenhum deles justifica o fato de você só saber fugir quando alguém se apaixona por você.
          Eu e você somos duas bomba-relógio. Mas você explode por qualquer menção ao amor, e eu só explodiria por você. Você pode fugir de mim, você pode fugir de todas as mulheres que se apaixonarem por você, mas alguém vai tomar seu coração nas mãos, assim como você fez com o meu. E vai apertar, doer, sufocar. E você vai querer gritar, espernear, fugir. Mas dessa vez não vai dar, porque alguém aprendeu a desarmar a tua bomba-relógio.
          Eu estou indo embora pra implodir em outro lugar.
          Você pode parar de fugir de mim, porque isso tudo é medo.
          Mas alguém vai aprender a te desarmar. Não dá pra fugir para sempre.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Eu escrevi um texto sobre sentir

         [Você pode ler este texto ao som de Purpose - Justin Bieber]

          Não faz mal sentir. Sentir-se só. Sentir dor. Sentir saudade. Sentir amor. Sentir raiva. Sentir-se vazio. O que faz mal é essa nossa mania de querer não-sentir-nada. De querer virar um punhado de robôs que vivem automaticamente, beijam automaticamente, e não amam, nem automaticamente, nem roboticamente ou qualquer outro mente que nossa mente seja capaz de criar. Senta aqui, vamos conversar sobre o que é sentir.
          Há um tempo venho me sentindo perdida no mundo. Como se o ontem e o hoje e o amanhã não fizessem sentido algum. Há um tempo tenho me limitado a não sentir nada, nem amor nem empatia pelas pessoas, ora porque elas não merecem, ora porque eu mereço não sentir nada. Porque eu mereço ser livre. Porque eu confundi liberdade com ausência de afeto. Porque quando eu conheci alguém legal, quis jogar. Quis brincar de esconde-esconde como uma criança de cinco anos. Porque eu aprendi que é assim que nós conquistamos as pessoas hoje em dia: brincando de quem se ausenta por mais tempo e desperta mais saudade.
          Dê-me sua mão e escute o que eu vou dizer. Não temos mais cinco anos, e não somos robôs para brincarmos com o coração alheio. Não precisamos esconder a saudade, o afeto e nem a raiva. Porque nós sentimos, e não há mal em sentir.
          Eu conheci alguém legal. Não sei mais se ele era legal porque era legal ou porque eu achei que poderia consertá-lo dos danos do mundo. O primeiro passo era demonstrar interesse, o segundo era demonstrar um pouco de desdém, do terceiro em diante eu deveria fazê-lo me amar. Eu me fiz presente, e logo após ausente, porque essas eram as regras do jogo. Segui direitinho as instruções da caixa. Eu não sei agora se deixei alguém legal passar por mim ou se fiz um grande bem em ter perdido esse jogo.
          Eu deveria conquistar o amor dele. Soletre comigo c-o-n-q-u-i-s-t-a-r. Eu deveria jogar para ter amor. Eu deveria ler o manuel de instruções, mas veja só, ele não tinha um. As ações não foram premeditadas, e, de repente, eu estava sobre solo irregular e desconhecido. Aí eu perdi. Perdi porque não soube o que fazer, porque na ânsia de não sentir, eu precisava ter tudo planejado, tudo sob controle. E, naquele momento, se havia alguém no comando do jogo, esse alguém não era eu. Eu quis jogar porque não poderia me apaixonar por ele, mas ele deveria se apaixonar por mim. Só pra eu ter a sensação que eu curei alguém dessa obsessão de não-sentir-nada. Porque no fundo, quem não sabia sentir era eu. Mas ora, o mundo não precisava saber disso.
          Agora entendo que não há mal em sentir. E mesmo sem saber ainda o que eu faço e devo fazer no mundo, me permito viver um dia de cada vez, e sentir, pausadamente, tudo o que vier pela frente. E não consigo curar ninguém da obsessão do não-sentir-nada, hoje eu só quero ser curada. Sem virar um robô. Eu só quero não brincar mais de não sentir nada. Enquanto eu tiver que decifrar um manual para ser amada, meu bem, eu vou me sentir perdida.

domingo, 22 de novembro de 2015

Hoje eu te quero bem

[Você pode ler este texto ao som de Never Let Me Go - Florence + The Machine]

          Eu acho que chegou a hora. Chegou o grande dia. Estamos em pleno Dia D agora. Chegou o dia em que, em paz, posso te olhar ao lado do seu amor e não sentir raiva, inveja ou tristeza. O dia em que ter saudade de você não significa nada além de 'que bom que ele passou por aqui'. Que bom que ele me ensinou aquilo que sabia. Que bom que ele fez eu me apaixonar por rosas laranjas, apesar de achar as vermelhas lindas. Que bom que ele ficou, que durou, que persistiu mesmo quando eu queria expulsá-lo de mim. Que bom que ele conquistou, fez sorrir, fez gozar, fez amor em mim.
          Passaram-se anos até eu conseguir olhar pra você e conseguir enxergar apenas o garoto por quem eu me apaixonei. Não restou mágoa, nem desavença, nem qualquer outra coisa além da gratidão por ter podido compartilhar com você dias da minha vida. Se você me perguntar se doeu saber que você havia se apaixonado por outra, não poderei dizer um não. Dilacerou o coração, a alma, o amor. Dilacerou a minha confiança em amar de novo. Mas isso é papo pra outro dia, não nosso Dia D. Há quanto tempo algo não é nosso? Há quanto tempo seus amigos e meus amigos não juntam mais nossos nomes na mesma frase? Devo te dizer que um deles fez isso semana passada, e eu pude rir. Rir, amor. Rir porque foi engraçado, porque a tua lembrança causou felicidade e não tristeza nas bandas de cá, e não sorrir pra disfarçar porque tua ausência ainda dói. Você não dói mais, meu bem. Você é o descanso de um amor que deu certo enquanto existiu.
          A gente se apegou ao que havia de mais bonito no outro. Você gostava de deitar a cabeça no meu colo e contar estrelas, e desde então ele não serviu pra mais ninguém ser astrônomo. Eu gostava de brincar com a tua barba, e não achei mais nenhuma que fosse tão bonita e aconchegante quanto a tua. Nenhuma mais pode receber meus beijos carregados de amor. Nenhuma mais roçou no meu pescoço enquanto eu cozinho. Não achei outro amor igual ao nosso, e hoje entendo que nunca irei. E entendo - mais importante - que eu não preciso de outro amor assim. Porque eu tive você, e nossas memórias são tudo o que eu posso querer.
          Eu nunca soube me despedir, nunca fui boa com fins. E me despedir de você nunca foi um desejo. Mas hoje é necessário. Se você me permite, te conto agora que apareceram outros 'alguém'. Em nenhum deles achei o amor, como você. Mas se ainda houver chance de recuperar minha fé no amor, então um novo alguém aparecerá. Se eu pudesse te desejar algo hoje, se eu pudesse faz um pedido pra alguma divindade ou gênio da lâmpada, desejaria que você seja tão feliz quanto eu quero ser. E então você poderá acreditar em mim. Hoje eu não te amo mais, mas ainda te quero bem.
          Eu te quero bem, amor.
          Por favor, seja feliz. Por você. Por vocês.
          Por nós.

domingo, 2 de agosto de 2015

Carta extraviada n°1

[Você pode ler este texto ao som de Humans - The Scene Aesthetic]

          Hoje eu sonhei com você. Foram três as vezes que você me visitou na mesma noite, e eu perdi as contas de quantos sonhos roubaram minha paz e meu sono nesses últimos meses. Não sei quantas vezes pensei em você, não sei te dizer em números exatos o tanto de horas que eu perdi tentando te afastar de mim. Eu aprendi a lidar com a saudade, com a ausência, com a falta de bom dia e boa noite, com o silêncio, mas não sei, não consigo lidar quando você me visita em sonhos. Não sei o que fazer com os pensamentos que ficam depois que eu acordo, sobressaltada, com aquela sensação inquietante de que falta algo. Porque sempre falta.
          Quanto de mim se foi com você? Quanto de nós restou? Se houve, um dia, nós, você deve tê-lo jogado fora, varrido para baixo do tapete. E se eu varrer a saudade que bateu de você hoje para debaixo de um móvel pesado? Você vai embora para sempre? Você promete que não vai voltar, nem para visitas inesperadas durante o meu sono? Por favor, me diz que se eu te expurgar do meu sono, você vai desgrudar do meu coração também. Se você me tem algum apreço, leva embora tudo o que ficou de você comigo. Mesmo que isso seja nada. O teu nada pesa muito por aqui...
          Hoje, especialmente hoje, eu senti sua falta. Falta de rir com você, de te procurar quando algo engraçado ou doido me acontecia. Senti falta de saber que eu faço parte da tua vida. Senti falta e a falta me sufoca. Hoje, eu não sei bem, me senti como se as coisas até agora tivessem consumido tudo de bom que eu tenho. Como se no meio desse furacão, só houvesse restado uma carcaça dura e fria, alheia a tudo e todos ao redor. Fazia tempo que eu não me sentia sozinha, mas hoje eu senti. Como uma ilha autossuficiente, que, no fundo, não consegue se bastar.
          Sei que o dia está no fim, e provavelmente amanhã minha vida seguirá seu curso normal. Vou ao banco, ao supermercado e ao dermatologista, vou ler ou assistir um filme, e então será mais um dia longe de ti. Cada dia a mais é um dia depois do 'nosso' fim. É um dia mais distante do que fomos, ou daquilo que eu quis que fôssemos. Sei que amanhã eu não iria querer escrever sobre isso, sei que eu não quero escrever sobre isso. Sei que perdi a mão pra essas coisas de falar sobre o que sinto, mesmo quando eu sinto muito, falar muito não é mais a minha praia. Mas hoje eu me rendi ao prazer silencioso de escrever sobre você. Pra ver se eu te expulso daqui de vez, e você deixa de invadir meus sonhos. Pra ver se eu me convenço que você só serve pra prosa ou poesia, mas pro amor não.
          Hoje foi só mais um dos dias em que eu senti saudade sua, e eles também acabam. E tudo volta ao normal.

domingo, 12 de julho de 2015

You are firework

[Você pode ler este texto ao som de Number One - Slow Club]

          Calei os lábios e toquei seu cabelo fino que caía despretensiosamente pela sua testa clara. Enxerguei sua íris e me vi refletida nela enquanto você brincava com minha barriga, fazendo subir e descer uma montanha russa no meu estômago, estacionando, depois, bem ali, do ladinho do meu coração. Levei um bom tempo pra conseguir manter a calma em momentos como esse. Quando eu fecho os olhos e sinto a paixão navegar pelas minhas veias, invadindo os órgãos vitais, acendendo meu corpo como fogos de artificio. Você pode tocar a minha mão sem ter medo de que eu te queime, porque você está brilhando tanto quanto eu.
          Você deita ao meu lado na cama, descobre nossos corpos, descobre tudo o que eu não conseguia ser com mais ninguém. Vejo-te sorrir. Dedilho tuas costas nuas com meus dedos pequenos e minhas unhas pintadas de vermelho. Beijo teu sorriso quando você menos espera, só pra ter a sensação dos teus lábios felizes sob os meus. Só pra ver nos teus olhos o reflexo do meu cabelo, pra ver se eu combino com tua íris ou se eu só imagino demais. Quando fecho, enfim, meus olhos, sei que jamais fui olhada e enxergada como fui, e sou, por você.
          Você lê poesia pra mim, e seu sotaque paulista destaca as palavras mais bonitas, e o arrastar das tuas sílabas faz rugir uma escola de samba dentro do meu peito. Ouço tua voz se repetindo na minha cabeça feito um gravador. Transformei teus sons em música pra ouvir sempre que a saudade bater mais forte pro lado de cá. Queria ter-te transformado em tatuagem. Pra te fincar na minha pele que sempre se arrepia quando você olha pra mim e me faz bambear as pernas e suar as mãos. Queria ser oxigênio, pra passear por cada célula do teu corpo, pra fazer par contigo.
          Você adormece em meus braços, não me movo, mesmo que a tua posição vá fazer doer o meu pescoço depois. Vale a pena, porque de tudo que eu poderia ser hoje, teu apoio, teu ombro, teu travesseiro, sei que sou algo bem maior. E você fica lindo dormindo.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Você me esvaziou


*Ouça Ride de Lana Del Rey

          Partir. Ir embora de um lugar que consideramos um dia nosso lar. Pegar um avião que leve a gente pra longe do caos que se instaurou na nossa casa. Eu nunca havia sentido tanta dor ao ter que ir embora como senti quando deixei você. Foi você o sonho mais difícil de desistir, aquele que me fez repensar trocentas vezes se realmente não havia mais como tentar, que me fez perder algumas noites de sono porque meus olhos estavam inundados por água salgada.
          Fui embora, mas queria que você soubesse que se ainda houvesse um por cento de chance da gente dar certo, eu teria ignorado os outros noventa e nove por cento de chance de erro. Mas no fim só havia eu tentando te explicar que eu precisava ir, e você não deve ter ouvido nem metade do que eu disse.
          Se houvesse uma estrada pra me levar pra longe de você, pra longe das coisas que eu imaginei pra nós dois; um lugar longe o suficiente pra não me deixar ter como voltar porque eu senti saudade, porque eu fiquei preocupada com a tua saúde ou porque fiquei compadecida com o seu time que só perde no campeonato; uma estrada de terra batida, uma rota de voo que ninguém descobriu antes de mim... eu iria. Iria pra longe. Mas não há.
          Não há rota de navio, carro, trem ou helicóptero que me arranque as raízes de onde você está. Não parece haver um plano b, c ou z. Não existe nem no alfabeto grego uma letra que intitule uma opção pra escapar de você. E ao mesmo tempo, não tem solução, não tem remédio, não tem mandinga que faça a gente se encaixar.
          Partir. Ir embora de alguém que foi nosso lar. Estou indo embora, vou pegar a estrada pra longe,vou achar uma nova casa. Mesmo que vazia, só preciso de algo pra me proteger da chuva e do sol, dos furacões que a saudade de ti vai trazer, vai fazer revirar os móveis da minha casa nova. Mas ela estará vazia, querido. Mas não tem mal em esvaziar alguém, tem?